Morte e luto no cotidiano

Quando somos confrontados com a perda daqueles que mais amamos, pensamos que nada nem ninguém pode preencher a sensação do vazio, formado por aqueles que partem deixam em nós.  É permitido e esperado a sensação de estar perdido emocionalmente, nada em nós será mais profundo e doloroso do que o sentimento de perda irremediável... e a vida pode deixar de fazer sentido por um tempo.
Em nossa cultura ocidental aprendemos a olhar a morte como se a ciência pudesse burlá-la ou adiá-la na figura personificada no médico, e se o médico tivesse este poder, as mães dos médicos não morreriam, ao menos, boa parte delas.
Convivemos com a morte como se ela nunca pudesse acometer a nós e a nossos próximos. Então ela chega, a dor da perda invade nossa existência com voracidade, crueldade e faz doer. Mascara a alma, a tal ponto, que tudo ao redor parece perder o sentido e o brilho da vida. Tudo. Pensamos que nada nem ninguém acalmará a angústia e as feridas interiores.

É importante perceber a dimensão emocional da perda, pois há lágrimas e a dor são expressões de uma dor comum e natural. MAs, sair correndo ao médico para a prescrição de um calmante na intenção de aplacar e enganar a dor do luto, não vai fazer que o vazio da perda desapareça, o remédio pode até contribuir quimicamente, mas o fato é que a perda expressa através da dor seja elaborada e superada no seu tempo.

Fato este intrínseco a condição humana e a saúde mental é a permissão em viver o luto, um processo que implica a expressão da dor, sendo necessário conhecer também o amargo da tristeza para que as alegrias sejam mais apreciadas e valorizadas em cada singularidade.

E as crianças, como reagem à morte? Ainda que só compreendam o sentido irreversível da morte aproximadamente a partir dos seis anos, pelo seu egocentrismo a criança naturalmente se coloca em uma posição de abandono e culpabilidade, e por esta razão, é importante deixar claro que a pessoa não partiu por vontade própria, que não poderá mais voltar, e que esta ausência não tem nada a ver com o infante. 

O que não aconselho é a mentira ou omissão pelo silêncio e deixar que a criança se entregue apenas a sua imaginação. A imaginação da criança para ela é muito próximo do real e suas fantasias são, muitas vezes, assustadoras. Com relação à morte, é necessário enquadrar a fantasia da criança numa base realística para sua proteção.  Entender que "proteger" a criança pela negação da dor, pode ser muito conveniente para familiares mais angustiados, mas, desvaloriza a criança e cria o tabu da morte associada a um sofrimento incompreensível e inadmissível à consciência.

Os adolescentes se caracterizam pela afirmação da identidade, assim, é necessário certo distanciamento emocional do pai ou da mãe ou responsáveis, pois estes são alvos frequentes da rebeldia e de toda estranheza da fase. Entretanto pior é quando, não encontrando alvo, a mesma agressividade do adolescente se dirige para dentro de si mesmo, favorecendo características de culpabilidade e retraimento social. 

Assim, esta fase da adolescência deve-se ter muita paciência às explosões comportamentais nas situações de morte e o luto, dando o tempo as pessoas para integrar a perda e respeitar os seus silêncios e revoltas, neste ponto a família tem um papel importante, pois os ambientes permissivos à expressão emocional são facilitadores e por isso transformadores da dor em expressão.  Uma dinâmica familiar que dialoga, participa e prestigia os bons atos do adolescente é um ambiente facilitador, já uma família que tem uma dinâmica em que a cobrança é o único meio para obter bons comportamentos do adolescente não é um ambiente facilitador.

Ter a morte como algo intrínseco à vida é sair do pedestal em que uns se colocam em vida, e outros colocamos nós depois da sua morte.  Todos nós temos defeitos, qualidades e o mesmo fim. Olhar a vida como mais um dia faz com que esqueçamos que ela pode ter 365 chances de realizações, e infelizmente só lembramos deste Valor quanto a vida nos retira algo de muito valioso, e choramos não só pela morte do ente querido, mas também de muitos sonhos que morrem  na possibilidade de vida com este ente, tudo aquilo que deixamos de fazer e que poderia ter sido feito quando ambos dispunham de saúde.

O que dizer a uma criança ou adolescente que perdeu o pai ou a mãe a fim de amenizar o seu sofrimento? E do contrário, o que se pode dizer a um pai ou a uma mãe que perde um(a) filho(a)? Certamente nada... a complexidade da situação  não está na ordem de beleza ou da grandeza das palavras, está na dimensão do indizível. Talvez se possa ajudar com uma presença serena, disponível e sincera de afeto. Quem sabe um silêncio sentido que respeite a dor alheia. Talvez um espaço de aceitação emocional incondicional – e a raiva e o ódio também são sentimentos – para que a pessoa não se feche tal como o silêncio dos cemitérios, mas para que encontre aconchego e aceitação ao ponto de transformar a angústia da perda um momento da Vida.



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